quarta-feira, 24 de novembro de 2010

OLHAR E VER PESSOAS!

Por Suzana Walker

***“Desde o dia que ela foi lá em casa, Abubacar tomou banho todos os dias e até penteia o cabelo! É possível o coração mudar!”

Pobreza Urbana e Abubacar***

Faz tempo que só penso em escrever, mas nunca realmente venho no meu blog e concretizo o pensamento, mas hoje foi um dia bem interessante, então não posso deixar de escrever.


Os planos de hoje começaram na semana passada... na verdade foi bem antes disso...


Para quem já viveu em Inhaminga, o "meio do mato", onde quando não chove 70% da população passa fome, pobreza não deveria ser novidade. Mas o impacto que a pobreza urbana tem sobre meu coração atinge dimensões tão grandes que ele fica bem apertado, quase querendo sumir dentro de mim. É certo que o povo das zonas rurais trabalha duro, anda longas distâncias, passa necessidades, tem uma vida sofrida. Mas tem algo sobre "o mato" que é sempre reconfortante para mim... não sei se é a linda natureza ao redor, se é o senso de família e comunidade que ainda existe... ou talvez seja somente a ausência de montes de lixo! Acho que é isso!

Os aglomerados das cidades, o barulho, a falta de privacidade, os maus cheiros, o lixo por toda parte, a falta de segurança... sempre me fizeram querer distância delas.


Quando Deus me trouxe para Nacala, meu maior conforto era que a escola ficava 7km da cidade e no campus à beira do mar, ainda podemos ter aquele gostinho de "no meio do mato", ou fora da "civilização".


Mas a necessidade sempre nos levam prá dentro, pro centro, pra o meio daquela muvuca toda! O que fazer? Cada vez que vamos é o mesmo confronto... crianças pedindo, crianças guiando cegos pedindo, velhos pedindo, velhos cegos pedindo!

No início você não sabe o que fazer. Às vezes dá, às vezes não! Quando dá se sente mal pois sabe que não é de uma moeda que aquela pessoa precisa. Quando não dá, se sente pior pensando se aquela pessoa chegará a comer naquele dia! Não tem como acertar!


Aos poucos você descobre que se der para um, logo uma multidão te persegue, como abutres sobre uma carcaça parecem pensar: "Carne nova no pedaço, vamos aproveitar!"

Nesse ponto você já está perdendo a paciência, porque no meio dos pedintes, há sempre os ladrões e, mesmo os que não são, serão se você bobear por um segundo. Você para de dar por completo. Você descobre que se for bem estúpido com todos, nunca der nada a ninguém, aos poucos você é menos importunado, consegue fazer suas coisas com mais rapidez. Mas algo mais acontece: você deixa de enxergar pessoas, passa a ver vultos, números, obstáculos... tudo, menos pessoas.


Então um dia você acorda e descobre que mesmo que tenha chegado àquele lugar para ajudar as pessoas, seu coração já está duro como pedra e sua atitude não está ajudando ninguém.


Mas então? O que fazer?

Eu pessoalmente passei por cada uma dessas fases. Por fim entendi que tenho que estar atenta ao Espírito Santo. Não tenho obrigação de dar nada a ninguém, mas também não sou proibida. Devo ouvir aquele sussurro dentro de mim, prestar atenção para onde está apontando e acima de tudo, acima de qualquer outra coisa: OLHAR E VER PESSOAS!


Quando isso aconteceu, eu não mais via ladrões e pedintes. Eu passei a olhar profundamente e ver quem estava à minha frente. Isso mudou tudo...

Passei a ver os velhos, que realmente não tem como trabalhar. Jesus falou que os pobres sempre teríamos conosco... esses velhos são essa classe de pobres!

E passei a ver as crianças... os adolescentes! Eles estão por todas as partes da cidade. Os pequenos fazendo carinha de fome, pedindo uma moeda, querendo olhar o carro, ou limpar seu vidro com um pano sujo.

Aos poucos eles deixaram de ser apenas “crianças” para mim... passaram a ser: Abubacar, Cinaro, Sanito. Cada um com seu sorriso, sua personalidade própria, seu pedido, sua história (cheia de mentiras, na maioria das vezes).


Abubacar foi o que mais me conquistou. Ele tem mais ou menos 9 anos, é muito esperto e sempre corre quando vê meu carro. Deixei ele vigiar meu carro algumas vezes e sempre o encontrei de volta quietinho, olhando para o carro. Ele perguntava meu nome, onde eu morava, se podia ir comigo. Eu sempre esquinava e fazia as mesmas perguntas de volta para ele. Ele me falava que não tinha pai, não tinha mãe... eu sabia que não era verdade.


Aos poucos, mais do que apenas ver, eu passei a me preocupar, realmente me importar. Qual seria o futuro dele? O que ele vai se tornar, vivendo assim na rua? Um bandido, como tantos outros que já existem? As perspectivas não são boas para o lado dele... sem estudo, sem uma habilidade... sem emprego, sem dinheiro! Mesmo como bandido, a concorrência é bem grande em Nacala!

Passei a procurar por ele e levar ele comigo, onde eu fosse “para vigiar meu carro”. Nos intervalos entre uma loja e outra, eu perguntava mais coisas e tentava descobrir qualquer resposta verdadeira.


Por fim, esse ano, decidi tomar um passo a frente. Mas primeiro, calculei o custo.

Tantos precisam de ajuda... mas ainda assim, poucos realmente tomam a mão estendida e realmente a usam para o bem, para sair do lodo e mudar de vida. Mas se não começarmos com um, se não acreditarmos em ninguém... que diferença faremos?

Pesei na balança e decidi seguir em frente.


Combinei com Abubacar de visitar sua casa algum dia. Até aí, ele já tinha reconhecido ter uma mãe com quem morava. Não deu certo o dia que combinamos e, segundo ele, ele ficou toda manhã esperando e pensando: “Essa senhora não está bem, falou que vinha e não veio!” Outro dia procuramos por ele em toda cidade e nem sinal!


Sexta passada, eu ia com Rito (um dos professores) conhecer algumas escolas para ele decidir onde ia estudar no ano que vem... e encontrei Cinaro (outro menino de rua). Visitei a família dele, descobri que tem pai, mãe e 4 irmãos. O pai é bem simples e sem estudo. Vivem no mais baixo da pobreza urbana que descrevi acima... é de doer o coração.


Na mesma manhã, encontrei Abubacar na rua de novo. Ele me levou para conhecer sua casa. É vizinho de Cinaro! Sua mãe reclamou comigo que ele não se comporta, não ajuda muito em casa e sempre foge prá cidade. Às vezes traz algumas moedas para ajudar em casa, mas nunca é muito. Não toma banho. Dei-lhe uma bronca. J


Nenhum deles vai à escola (Cinaro e seus 2 irmãos com idade de estudar e Abubacar). Ninguém tem documento, nunca foram matriculados... mas a escola está a menos de um minuto andando da casa deles! Combinamos de nos encontrar na escola essa semana para irmos juntos ao registro fazer os documentos.


Chego na escola essa manhã... Abubacar vem reclamando na minha direção: “Eu fiquei a procurar... onde está essa senhora?”, mas o sorriso radiante me mostra que ele não está nem um pouco chateado. Encontro sua mãe, também pronta prá ir para o registro. A outra família é um pouco mais complicada, mas reunimos todos e lá vamos nós para o registro.


Enquanto ando nesse bairro, em meio a picadas de areia, cheeeeias de lixo, olho ao redor e penso: “No Brasil, eu estaria preocupada de entrar num bairro assim de carro. Ficaria vigiando para ver se não deparava com traficantes, ou coisa do tipo. Aqui, estou num bairro normal. Há casas grandes, feitas de cimento com telhados de chapa... isso é classe média. É verdade, há casinhas bem pequenas e ‘marfanhadas’, mas não dá medo!”


Nada dá certo no registro PORQUE NENHUM DOS PAIS TEM DOCUMENTO!!! Que situação bizarra! Mas é a realidade daqui! Lá vamos nós tentar providenciar documentos para os pais, para que os filhos possam tirar os seus e então estudar no ano que vem!Mas o que fez meu dia foi a mãe de Abubacar encorajando a mãe de Cinaro quando alguém diz que os filhos dela, mesmo que matriculados vão fugir da escola: “Desde o dia que ela foi lá em casa, Abubacar tomou banho todos os dias e até penteia o cabelo! É possível o coração mudar!”


Quero ser guiada por Seu Espírito, Senhor!

Quero vê-los como Tu vês!

Quero seguir os passos de Jesus

E amá-los com Teu amor!

Quero que eles saibam que Tu os amas,

Quero ver seus futuros transformados!

Sei que em mim não tenho poder,

Mas Tu és Aquele que transformas corações!

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Postado por Dani Porchat Schlabitz

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